Mergulhar em um navio afundado para quem é fã de naufrágios tem um apelo todo especial. Se esse naufrágio for de um submarino, então, é um quase sonho.
Não são muitas as oportunidades que temos de por isso em prática. Em primeiro lugar por existirem muito menos submarinos do que navios tradicionais fabricados, o que matematicamente produziu muito menos naufrágios desse tipo.
Em segundo lugar, porque via de regra os submarinos que afundaram foram levados a isso em geral em um cenário de batalhas, e pela própria habilidade dos submarinos de usarem a profundidade como cenário de fuga, acabou-se ocasionando naufrágios em águas profundas demais para nós, mergulhadores ‘comuns’, se é que o termo se aplica.

Eu tive essa oportunidade com o submarino I-169, em Truk Lagoon, cenário de uma monumental operação de bombardeio por parte dos americanos contra a frota japonesa, na 2a Grande Guerra. Curiosamente, entretanto, o único submarino afundado ali não foi vítima dessa operação monumental de guerra, a chamada “Operação Hailstone“.
O submarino I-169
O I-169, originalmente batizado I-69, é um submarino de pouco mais de 100 metros de comprimento (para comparação, o navio Pingüino, afundado em Ilha Grande e conhecido de quase todo mergulhador recreativo aqui do sudeste tem cerca da metade desse tamanho, com alguns sites informando 50 e outros cerca de 60 metros)

Nenhum submarino pertencente a sua classe (KD-6) sobreviveu à 2a Guerra, mas quis o destino que o 169 tivesse um fim absolutamente particular. Ele já havia batido na trave em ter seu destino abreviado três anos antes de efetivamente ir a pique.
O primeiro susto
O papel do I-169 durante o confronto foi bastante ativo, participando de diversas campanhas em conjunto com seus irmãos de flotilha. Particularmente durante o ataque japonês à Pearl Harbor sua atuação foi preponderante. Junto com outros 6 submarinos, além de montar guarda em frente à entrada do arquipélago, ele teve a incumbência de transportar 5 mini submarinos de ataque e, posteriormente, resgatar seus operadores.
Permaneceu aguardando o retorno dos operadores que, entretanto, não voltaram. Separado dos demais submarinos do grupo ele se preparava para deixar o local de ataque quando foi surpreendido ficando enroscado em uma rede submarina para justamente proteger as águas de Pearl Harbor de incursões inimigas.
O I-169 permaneceu por cerca de 38 horas preso à rede. Já sem esperanças de conseguir escapar, com as baterias se aproximando do fim e o ar tornando-se hipóxico devido a impossibilidade de renová-lo, promoveu-se à bordo um “último jantar cerimonial”, antes de partirem para destruir os documentos secretos existentes ali.
Em uma última e desesperada tentativa de se soltar, com os motores ligados em força máxima à ré, para surpresa e alívio gerais o submarino conseguiu se soltar, escapando assim de um fim trágico e inusitado, ou seja, encontrar seu fim não como resultado de um conflito dos quais participou ativamente, mas sim preso sob as águas sem conseguir se mexer e sufocando em seu interior toda a tripulação.
Com o passar dos anos e a evolução da guerra o I-169 assumiu outros papéis junto à marinha imperial. Em função do seu tamanho, a sua atuação como arma de ataque era insatisfatória, levando-o a desempenhar muito mais o papel de base de apoio e de transporte de pessoal no cenário das batalhas.
Em Truk Lagoon
Em 02 de abril de 1944, parado no arquipélago de Truk Lagoon para reabastecimento, foi surpreendido por um aviso (falso) de ataque aéreo. Seu comandante e parte dos oficiais estavam em terra durante o alarme. A tripulação a bordo seguiu os planos de submergir para fugir do possível ataque.

O submarino mergulhou rapidamente, uma vez que não existiam abrigos para submarinos nas ilhas. Na pressa em submergir, uma válvula que deveria ter sido fechada não o foi, ou soltou-se durante a manobra, ninguém nunca conseguiu determinar com precisão.
Como resultado disso houve o alagamento completo da sala de comando do submarino. Os tripulantes rapidamente vedaram as portas estanques entre os compartimentos do submarino, garantindo a estanqueidade do restante do submarino, alojando-se nas áreas à frente e a ré da sala de comando, localizada junto a torre.
(Croqui modificado por Maurício Carvalho – site Naufrágios do Brasil)
O submarino afundou imediatamente parando junto ao fundo. As pessoas em terra, ao perceberem que o I-169 estava com problemas enviaram um mergulhador ao local. Através de batidas no casco, devidamente respondidas pela tripulação a bordo do submarino, identificaram-se sobreviventes nos compartimentos de vante e de ré, mantidos secos pela rápida ação a bordo para fechar as postas estanques.
O comando em Truk enviou para o local três barcaças equipadas com guinchos, além de um rebocador, para elevar o submarino. Ele foi facilmente trazido para a tona, mas assim que a grande torre de comando, completamente cheia de água, chegou à superfície o submarino se desequilibrou, rompeu os cabos de sustentação e voltou a afundar, batendo de popa no fundo. Infelizmente constatou-se que o alagamento tinha proporções maiores do que imaginado inicialmente.
Foram feitos furos nos tanques de lastro e conectadas mangueiras para bombear ar para estes, mas não houve como alertar os tripulantes para abrirem as válvulas de liberação dos tanques de lastro.
Um novo alarme de ataque aéreo naquela noite, desta vez real, pôs fim as operações de resgate. Quando os mergulhadores retornaram ao submarino, 23 horas depois, já não se ouvia mais nenhuma batida no casco em retorno aos chamamentos. Toda a tripulação a bordo morreu sufocada. Salvou-se apenas o capitão Shigeo Shinohara que estava em terra no momento do ataque, junto com uns poucos oficiais.
Nas 6 semanas seguintes as equipes de resgate conseguiram retirar 32 corpos e objetos pessoais do submarino, que foram devidamente cremados na ilha em uma cerimonia religiosa. Verificou-se então que uma válvula do tubo de respiro da torreta não foi fechada, ocasionando o alagamento do submarino. Não foi possível determinar se isso ocorreu devido a uma falha humana ou mecânica. Por esta época uma invasão americana era iminente, e para evitar que o submarino caísse em mãos inimigas o mesmo foi bombardeado com cargas de profundidade, as quais destruíram a torre de comando e uma longa seção à proa.
Jacques Cousteau, sempre ele
Em 1971 o submarino foi descoberto por mergulhadores da equipe de Jacques Cousteau , que entraram em seu interior através de uma escotilha na sala de máquinas. Filmaram o seu interior e os restos mortais de sua tripulação e objetos pessoais. O vídeo chegou ao Japão e causou grande comoção pública. Mais de US$ 240.000 foram levantados em fundos para patrocinar uma operação para recuperação dos restos mortais dos marinheiros ali presentes.

Dois anos após, em agosto de 1973, uma equipe de mergulho profissional operando ali recuperou cerca de 70 crânios, livros, câmeras, roupas e objetos pessoais, que foram encaminhados para o Japão para serem cremados como parte dos ritos xintoístas.
No total, entre as duas operações de resgate no interior do submarino, foram removidos restos mortais de mais de 100 pessoas, número bem superior à tripulação regular do I-169 de 70 homens, mostrando que diversos operários, pessoal de manutenção e de suprimentos estariam a bordo no momento do ataque. Informalmente, o submarino foi apelidado de “Shinohara”, em referência ao seu comandante.
Posteriormente, em 1974 dois mergulhadores explorando o naufrágio morreram durante o mergulho. Um mergulhador ficou preso dentro do compartimento dos motores. Isso levou a soldarem a escotilha de acesso à sala dos motores, prevenindo novos acidentes.

O I-169 está repousado no fundo, na profundidade média de 43 metros. Tem pouca vida marinha presa a ele. O casco duplo do submarino está corroído em muitos pontos, expondo o casco interno (de pressão) em diversos momentos do mergulho. Jogados na areia ao lado do submarino é possível ver cabos e mangueiras utilizados na tentativa de elevá-lo.
Sua arma de 3,9 polegadas tb está jogada na areia. A torre de comando está completamente destruída, graças ao ataque com as cargas de profundidade. Não existem pontos de penetração nele (e olhem que nós fuçamos pacas, procurando…).
De um modo geral, o mergulho ali é até meio limitado se comparado aos demais naufrágios da região, maravilhosos. A rigor, a maioria das pessoas vê apenas um enorme charuto de aço sem grandes atrativos. Eu próprio, quando mergulhei nele, não conhecia a sua historia. Gostaria muito de voltar lá hoje. Com certeza a experiência seria outra. Isso, aliás, embasa a informação que sempre passamos para os alunos nos cursos de Naufrágio:
– “O mergulho em si no local do naufrágio é apenas a ponta do iceberg… O verdadeiro encanto da atividade está por baixo das aparências, escondido na História.“